terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Chico Xavier: novos fatos




por Johnny Bernardo


Uberaba, sexta-feira, 7 da noite. Sessenta carros – de jipe a Mercedes – estão estacionados no quarteirão recém-asfaltado da Comunhão Espírita Cristã. As chapas variam de Monte Castelo a Guanabara, de Itumbiara, de São Paulo. O bairro é pobre, mal iluminado, cheio de crianças. Nesse bairro fica hoje o “Vaticano do Espiritismo”. Umas mil pessoas aguardam com ansiedade. Os que chegaram mais cedo conseguiram lugar no templo – um salão de 100 metros quadrados – e estão sentados ou em pé (…). Há duas filas que se confundem: uma para receber passes; outra de gente que espera as receitas de Chico Xavier.

Com essas palavras José Hamilton Ribeiro inicia sua narrativa sobre Chico Xavier, em matéria escrita para a revista Realidade. Era 1971. Hamilton e seu auxiliar chegam a Uberaba (MG) com o objetivo de entrevistar Chico Xavier. Vinte e seis anos haviam passado desde que outro repórter, David Nasser, da revista O Cruzeiro, visitara Chico e conseguira uma matéria inédita. Anos depois a popularidade de Chico continuava em alta, especialmente após sua participação [ao vivo e em cadeia nacional] do programa Pinga-Fogo. Outra coisa que não mudara era o acesso a ele: cada vez mais difícil e burocrático. Quem dava as cartas era Eurípedes dos Reis, filho adotivo de Chico que cinco anos mais tarde conseguiria procuração vitalícia do pai.

Com 61 anos e a saúde debilitada, Chico diminuía aos poucos suas aparições. Hamilton havia deixado a redação no Rio decidido a desmascarar o “médium”. Dirigiu-se a Comunhão Espírita Cristã aonde constatou: tinha truque ali. “Meu fotógrafo viu um dos assessores de Chico levantar o paletó discretamente e borrifar perfume no ar. As pessoas pensavam que o perfume vinha dos espíritos”, afirmou. A certeza de que o “médium” era um impostor viria sete horas depois, quando Chico entrega ao repórter a resposta de seu pedido em nome de Pedro Alcântara Rodrigues, Alameda Barão de Limeira, 1327, ap. 82, São Paulo.

Na letra inconfundível de psicografia, lá está: Junto dos amigos espirituais que lhe prestam auxílio, buscaremos cooperar espiritualmente em seu favor. O que pensar disso? Nem a pessoa com aquele nome, nem mesmo esse endereço existem. Eu os inventei”, revela Hamilton ao concluir a matéria. [1]

Em Chico Xavier temos um misto de psicose, charlatanismo, criptomnésia que dão a ele e aos seus seguidores pouca credibilidade. Na matéria a seguir abordaremos estes e outros aspectos relacionados ao “médium”, focando nossa atenção nos pós e contra – argumentos que giram em torno dele.

Chico Xavier: vida e mediunidade

Popularmente conhecido como Chico Xavier, Francisco de Paula Cândido Xavier nasceu em 2 de abril de 1910 na cidade mineira de Pedro Leopoldo. Órfão de mãe aos cinco anos foi obrigado a viver com sua madrinha, pois seu pai não podia cuidar de nove filhos. Sua infância foi turbulenta, devido aos maus tratos de sua madrinha, que o surrava, segundo seu depoimento, três vezes ao dia. Os maus tratos incluíam açoite com vara de marmelo [uma parte do galho do marmeleiro utilizada para punir escravos e crianças indisciplinadas] e garfadas na barriga. [2]

A suposta “mediunidade” de Chico Xavier teria começado por essa época, quando em meio às torturas praticadas por sua madrinha, dizia manter contato com sua mãe que o visitava diariamente. Assim viveu por dois anos, até que seu pai contraiu um novo matrimônio com Cidalia Batista, e pode voltar ao lar paterno. De volta ao convívio familiar, as visões de sua mãe cessam. O próximo “contato” mediúnico ocorreria alguns anos depois, quando em uma aula do 4º ano primário “afirmou ter visto um homem que lhe ditou as composições escolares”. [3]

Foi assim, entre visões de espíritos e o sofrimento decorrente da perda de sua mãe, que Chico cresceu até que um dia decidiu se dedicar de forma integral ao espiritismo. Ele havia acabado de completar 17 anos quando sua madrasta morreu e uma de suas irmãs iniciava um processo depressivo. Por orientação de um amigo e após uma visão de sua mãe [que o aconselhou a estudar os livros de Allan Kardec] foi que Chico mergulhou de vez no universo espírita. Em junho de 1927 ajudou a fundar o Centro Espírita Luiz Gonzaga e no mês seguinte começou o trabalho de psicografia.

Em 1931 ocorreria o que os espíritas chamam de “maioridade de Chico Xavier”, quando o médium realiza seu primeiro “contato” com Emmanuel. Com a ajuda de seu mentor espiritual, e após algumas psicografias publicadas em periódicos como O Jornal, do Rio de Janeiro, e Almanaque de Notícias de Portugal, Chico decide se dedicar a um novo projeto que culminaria com a publicação da obra “Parnaso Além-túmulo” [uma antologia de poemas atribuída a poetas mortos, incluindo os brasileiros Casimiro de Abreu e Olavo Bilac, além de quatro portugueses e um anônimo], em 1932.

Nos anos seguintes publica “Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho” (1938) atribuída ao espírito de Humberto de Campos, ocasionando uma corrida judicial por parte da viúva de Humberto que acusou o médium de violação dos direitos autorais. Absolvido pela justiça, Chico substitui Humberto de Campos pelo pseudônimo “Irmão X”. Cinco anos depois surge a obra “Nosso Lar”, psicografia atribuída ao espírito André Luiz – pseudônimo para o médico Oswaldo Cruz. Foi com “Nosso Lar” que Chico viu seu prestígio crescer, transformando Pedro Leopoldo em um centro de peregrinações.

O Cruzeiro

Na mesma época desembarca em Minas David Nasser e o fotógrafo Jean Manzon da revista “O Cruzeiro” com o objetivo de realizar uma entrevista com o médium. Marcel Souto Maior relata.

Cansado de ser alvo da desconfiança e da curiosidade dos repórteres, Chico tentou escapar a todo custo, mas foi vencido por um artifício de Nasser. O repórter enrolou a língua, começou a falar num francês arrastado e, com a ajuda de seu partner estrangeiro, Jean Manzon, convenceu Chico de que eles tinham vindo de muito longe, de Paris, só para entrevistá-lo. Não poderiam voltar de mãos abanando…

Chico decidiu dar a primeira entrevista internacional de sua e foi além. “Reclamou do assédio da imprensa e dos visitantes – ou seja, jogou no lixo a água da paz – e pousou para fotos nas situações mais extravagantes. [4]

O Chico descrito pelos espíritas e seus simpatizantes não parece ser o mesmo que a História apresenta. A ideia de que ele não possuía formação acadêmica e que, devido a isso, não tinha condições de fazer o que fazia não se encaixa com a descrição que temos a partir de suas próprias declarações e a de terceiros. Nasser revela que Chico lia com frequência jornais e revistas. Ele também se refere a uma biblioteca pessoal e ao serviço como datilógrafo em uma fazenda da região [vide tópico: autodidata]. Essas características e outras mais de Chico nos fazem acreditar que ele era uma pessoa instruída, difícil de ser enganada por qualquer um. Ubiratan Machado, em “Chico Xavier, uma vida de amor”, nos oferece uma versão diferente da aceita pelos espíritas.

Já no Rio de Janeiro, David Nasser, que não abrira o livro recebido do médium, comentou com a esposa: ‘Ontem iludimos o Chico’. E narrou a astúcia empregada. ‘Iludiram coisa nenhuma’ – respondeu a esposa. – ‘Olha aqui a dedicatória’:

“Ao meu caro David Nasser, com o abraço do Chico Xavier”.

Desconcertado, o repórter ligou para o colega que o acompanhava. O fotógrafo correu, abriu o seu exemplar e lá encontrou a dedicatória: Ao meu caro Jean Manzon…”. [5]

Temos aqui duas questões importantes (1) Foi Nasser quem descobrira o fato e o comunicara ao fotógrafo e; (2) Teria sido Chico, e não Emmanuel, quem assinara a dedicatória. Mesmo que Chico tivesse usado o pseudônimo de Emmanuel [o que na verdade o era, dada todas as provas arroladas ao caso] para autografar o livro, ele o fez em plena consciência – isso porque, durante as quase uma hora e meia de entrevista, não houve qualquer manifestação mediúnica.

A convicção de que Nasser ficaria surpreso ao notar que sua identidade havia sido descoberta, poderia mudar os rumos da reportagem. A estratégia – Chico descobriria mais tarde – não surtira o efeito desejado. A resposta viria alguns dias depois: a revista “O Cruzeiro” publica uma matéria de dez páginas com o título “Chico Xavier, detetive do além” usando como ilustração uma foto do médium em uma banheira. Ao perceber que seu plano havia dado errado, Chico desaba em choro. E tinha razões para tal. A matéria cairia como uma luva nas mãos da família de Humberto de Campos, obrigando o juiz a condenar Chico como impostor.

A confissão de Amauri Pena

Filho de Maria Xavier, irmã mais velha de Chico Xavier, Amauri Pena nasceu em 1933, em Pedro Leopoldo; um ano e seis meses depois muda com sua família para Sabará (MG). Desde pequeno demonstrou interesse por literatura e aos dez anos já havia lido a versão “psicografada” de Parnaso Além-túmulo, de seu tio. Aos 13 começou a escrever poesias e despertou o interesse do professor Rubens Costa Romanelli, líder de um grupo espírita mineiro. Influenciado por Romanelli e pela aproximação com Chico Xavier, Amauri produziu seu primeiro texto “psicografado” intitulado “Os Cruziladas” – uma epopéia que descrevia o descobrimento do Brasil do ponto de vista espiritual, e que teria sido “assinada” por Camões.

A capacidade intelectual de Amauri, associada ao fato de ele ser sobrinho de Chico Xavier, despertou interesses promíscuos e estratégicos da FEB através de seus interlocutores mineiros da UEM, como Romanelli que a época era secretário do jornal O Espírita. Trazer Amauri para o espiritismo seria vital para a consolidação da doutrina no Brasil e no mundo. De um jovem intelectual e com um futuro promissor, Amauri foi aos poucos seduzido pelo espiritismo. Seu pai viu na proposta espírita uma oportunidade de fugir à pobreza, que a época atingia boa parte dos moradores de Sabará. Acuado, Amauri não viu alternativa a não ser se entregar aos interesses da FEB. Algo, porém, incomodava o poeta sabarense. Veio à depressão e o alcoolismo com suas consequências sociais. Sua família e especialmente seu pai não entendia os motivos de tanto desanimo. Mas Amauri sabia o porquê de sua degeneração. Em julho de 1958, então com 25 anos, procura a redação do Diário de Minas com a intenção de desabafar. Frei Boaventura descreve com fidelidade esse episódio.

Iam às coisas nas mais risonhas esperanças. E eis que, num belo dia de 1958, Amauri Pena procura a imprensa profana para fazer sensacionais declarações: “Tudo o que tenho psicografado até hoje – declarou – apesar das diferenças de estilo, foi criado por minha própria imaginação, sem que precisasse de interferência de almas de outro mundo”. E explicava: “Depois de ter-me submetido a esse papel mistificador, durante anos, usando apenas conhecimentos literários, resolvi, por uma questão de consciência, contar toda a verdade”.

E o sobrinho de Chico Xavier esclareceu mais: “Sempre encontrei muita facilidade em imitar estilos. Por isso os espíritas diziam que tudo quanto saía do meu lápis eram mensagens ditadas pelos espíritos desencarnados. Revoltava-me contra essas afirmativas, porque nada ouvia e sentia de estranho, quando escrevia. Os espíritas, entretanto, procuravam convencer-me de que era médium. Levado a meu tio, um dia, assegurou-me ele, depois de ler o que eu escrevera, que deveria ser seu substituto. Isso animou bastante os espíritas. Insistiam para que fosse médium”.

O jovem e improvisado médium Amauri continua na descrição de sua estranha aventura: “Passei a viver pressionado pelos adeptos da chamada terceira revelação. A situação torturava-me e, várias vezes, procurando fugir àquele inferno interior, entreguei-me a perigosas aventuras. Diversas vezes, saí de casa, fugindo à convivência de espíritas. Cansado, enfim, cedi, dando os primeiros passos no caminho da farsa constante. Teria 17 anos. Ainda assim, não me vi com forças para continuar o roteiro. Perseguido pelo remorso e atormentado pelo desespero, cometi desatinos (…) Não desmascaro meu tio como homem, mas como médium. Chico Xavier ficou famoso pelo seu livro Parnaso de além túmulo. Tenho uma obra idêntica e, para fazê-la, não recorri a nenhuma psicografia. [6]

Feita a confissão, Amauri passa a ser alvo do descrédito do seu próprio pai e do delegado de Sabará que o acusa de “desordeiro” e “beberrão”. Chico decide permanecer neutro, deixando para outros a tarefa de desacreditar o sobrinho se resguardando, ao mesmo tempo, de possíveis ônus da exposição do menino e transmitir a sociedade uma imagem de benevolência e capacidade de perdoar. Somente algum tempo depois, quando deixara Pedro Leopoldo e criara raízes em Uberaba, Chico decide falar sobre o caso seguindo a mesma linha defendida pelo pai de Amauri e o delegado de Sabará.

Sem o apoio da família, e ainda sofrendo as consequências do seu envolvimento com o espiritismo, Amauri se entrega de vez ao alcoolismo e acaba por ser internado em manicômio de São Paulo. Pelo menos essa é a versão oficial. Se verdadeira a informação, em qual dos sanatórios de SP Amauri foi internado? Procurada, a FEB não emitiu qualquer comunicado a respeito. Qual o motivo do sigilo? Como até o começo dos anos 70 não havia em SP clínica particular preparada para atender pacientes com deficiência mental, Amauri somente poderia ter sido internado em um hospital público, e, mesmo assim, como não havia o SUS as transferências eram difíceis e exigia a participação de terceiros – políticos ou entidades com alguma influência no governo – para se concretizar. Não seria esse o caso da FEB?

Há também uma informação desencontrada com relação à morte de Amauri. A história oficial dá conta de que Amauri teria morrido em decorrência do agravamento de sua saúde mental, enquanto se tratava em São Paulo. Mas de acordo com o boletim espírita “Síntese”, de Belo Horizonte, publicado à época, Amauri teria morrido vítima de um atropelamento. Tal versão levanta a suspeita se, de fato, Amauri sofria de problemas mentais e que em decorrência disso teria sido levado às pressas para um sanatório de SP. Como não há indicações claras do local e data de internação, a história oficial parece ter sido criada com o objetivo de abafar o caso desqualificando o relato de Amauri.

O encontro com Waldo Viera

Abalado pelo processo judicial movido pela família de Humberto de Campos e pela denúncia de Amauri Pena, Chico se muda para Uberaba onde algum tempo depois firmaria uma parceria com o médico e também médium Waldo Viera. Essa parceria possibilitou que Chico levasse sua mensagem para outros países, através de viagens realizadas a partir de maio de 1965 quando desembarca nos EUA para uma série de compromissos. Com a ajuda de Salim Salomão Haddad, presidente do centro Christian Spirit Center, e sua esposa Phillis, estudou o inglês e lançou o livro “Ideal Espírita”, com o nome de “The World of The Spirits”. [7]

Seis anos depois de se afastar de Chico Xavier [eles mantiveram uma parceria por quase dez anos, de 1955 a 1969] Waldo Viera abdica do espiritismo para se dedicar à pesquisa da experiência fora-do-corpo. Depois de Amauri Pena, que morrera em condições duvidosas, o testemunho de Viera é uma peça importante na compreensão do Chico Xavier histórico. Diretor do Centro de Altos Estudos da Conscienciologia (CEAEC) e autor da Enciclopédia da Conscienciologia, Waldo Viera revelou, em dois vídeos divulgados pela Internet, aspectos da vida e obra de Chico Xavier desconhecidos do público em geral, como o uso de frascos de perfume comprados por Chico em São Paulo e que eram usados em incorporações do espírito de Sheila.

Pontos fundamentais

Há uma diferença entre o Chico da história daquele apresentado pela mídia secular e pela FEB. Vejamos alguns casos.

Psicose

Há algum tempo se cogita o fato de Chico ter sofrido de psicose nos primeiros anos de sua infância e início da fase adulta. Psicose é um quadro psicopatológico reconhecido pela psiquiatria como um estado psíquico no qual se verifica certa perda de contato com a realidade, caracterizada por delírios e alucinações. A Superinteressante menciona um eletroencefalograma do médium adquirido pela revista Realidade nos anos 70 e que foi usado como ilustração da matéria de capa sobre Chico Xavier.

Nos anos 70, a revista Realidade publicou a cópia de um eletroencefalograma do cérebro de Chico Xavier. Sem saber o nome do paciente, um médico analisou o exame e concluiu: havia ali uma descarga elétrica anormal, capaz de provocar uma convulsão. “Poderia causar alheamento, sensação de ausência, automatismo psicomotor”, afirmava o médico Juvenal Guedes.

Tal explicaria as primeiras visões de Chico e o sentimento depressivo que o acompanhou durante toda a sua vida e o uso de LSD em certa ocasião. A psicose ou mesmo a esquizofrenia possui inúmeros fatores psicopatológicos, incluindo desde a questão genética (hereditária) até o convívio familiar e social em que o indivíduo é criado. A primeira visão que Chico teve de sua mãe teria ocorrido justamente em um período de falta de convívio familiar e dor decorrente das punições impostas pela madrinha. Ao retornar ao lar paterno e a convivência com os irmãos, as visões da mãe cessam. Somente no quarto ano do ensino primário, quando as características sexuais de Chico começam a ser percebidas pelos amigos de sala, Chico é novamente submetido ao isolamento social. Nesse contexto, Chico recorre ao além. Afirma ser guiado por um espírito de um homem que o auxilia em suas redações, aparecendo em meio às aulas.

Criptomnésia

Também se acredita que Chico sofria de criptomnésia. Essa possibilidade foi levantada pela revista Super Interessante, em edição especial sobre o médium. “Criptomnésia é um distúrbio de memória que faz com que as pessoas se esqueçam de que conhecem uma determinada informação. Os dados que Chico colocava nas cartas seriam apenas lembranças escondidas em seu próprio subconsciente”, afirma a revista.

Usada pela primeira vez pelo psiquiatra Théodore Flournoy ao analisar o caso da médium Hélène Smith (Catherine Élise-Müller), a criptomnésia é mais provável de ocorrer quando a capacidade de controlar as inúmeras fontes que um indivíduo tem acesso é prejudicada. Carl Jung, em O Homem e Seus Símbolos exemplifica:

Um autor pode estar escrevendo de forma constante a um plano preconcebido, elaborando um argumento ou desenvolvendo a linha de uma história, quando de repente ele sai pela tangente. Talvez uma nova ideia lhe ocorreu, ou uma imagem diferente, ou todo um novo sub-enredo. Se você perguntar a ele o que levou a digressão, ele não será capaz de lhe dizer. Ele não pode sequer ter notado a mudança, embora ele já produziu material que é inteiramente novo e, aparentemente, desconhecido para ele antes Mas às vezes pode ser demonstrado de forma convincente que o que ele escreveu tem uma impressionante semelhança com o trabalho de outro autor – um trabalho que ele acredita que nunca viu.

Em um estudo publicado em 1905, Jung associa a Criptomnésia ao trabalho de alguns autores, como Nietzsche (cujo livro “Assim Falou Zaratustra” seria uma imitação quase que palavra por palavra de outro livro publicado meio século antes. A irmã de Nietzsche confirmou que aos onze anos seu irmão teve acesso ao livro e que ele o lia constantemente) e Byron (cujos leitores viam uma forte semelhança entre seu livro “Manfred” com “Fausto” de Johann von Goethe).

Autodidata

O quarto ano do ensino primário marca o começo do intelectualismo de Chico Xavier. Apesar das acusações de plágio e o descrédito por parte de professores e alunos, ganha uma menção honrosa num concurso estadual de redação. Tal capacidade intelectual não se devia a influência do além, mas a sua busca insaciável por conhecimento. Começando por poesia, o menino de Pedro Leopoldo se lança à busca do conhecimento filosófico, histórico e linguístico. Em sua biblioteca, preservada até hoje em Uberaba, há mais de 500 livros e revistas, com obras em inglês, francês e até hebraico. Parte dessa biblioteca é descrita por David Nasser em sua matéria “Chico Xavier, um detetive do além”.

Numa estante, os livros de Chico. Versos de Guerra Junqueiro, Tolstoi e uma porção de autores mortos. Na sala do lado está a mesa onde ele recebe as mensagens (…) Vamos atravessando a sala e entramos num dos quartos. Na parede, prateleiras repletas de livros. Remédios à base de homeopatia, que Chico recomenda. Não sei porque os espíritos manifestam estranha aversão pela alopatia e suas drogas, receitando sempre combinações homeopáticas. Perto dos vidros, um armário cheio de livros. As obras de guerra contra a Santa Sé, assinadas por Guerra Junqueiro, ainda em vida. Os livros de Flammarion e de Alan Kardec, mas não os psicografados, misturados com volumes de propaganda anticlerical.

Na visita à Fazenda em que Chico trabalhava como datilógrafo, Nasser conhece um senhor do Rio de Janeiro que descreve Chico nos seguintes termos: “Gosto de falar com ele. É um rapaz de cultura. Discute vários assuntos, lê um pouco de inglês e de francês. Devora os livros com fúria. Trouxe-lhe, há dias, “O homem, esse desconhecido” e ele não gastou mais de quatro horas e meia para ler o volume gordo. É um prazer para ele. Seu único amor é o espiritismo”. [8]

Na matéria de 1971, Hamilton Ribeiro revela: “A sala, que serve de escritório, é o ambiente típico do intelectual desorganizado. Mesa, máquina de escrever, papéis em desordem, vidros de remédios, revistas estrangeiras, livros, jornais, uma infinidade de cartas, papeis com endereços, cartões, lápis. Numa estante arquivo, Chico guarda documentos e papéis que, um dia, sabe que vai precisar. Quando esse dia chega, ele procura – e não acha.” [9]

Frei Boaventura Kloppenburg, em sua obra Espiritismo, orientação para católicos, vai mais além. “No prefácio de sua primeira obra psicografada, Parnaso de Além-Túmulo, o próprio Chico se apresenta como um moço com “o mais pronunciado pendor para a literatura”, com “a melhor boa vontade para o estudo”, que em casa “estudou o que pôde”. O Jornal das moças de 1931 publicava sonetos seus. Um amigo de Belo Horizonte, que o conheceu naqueles anos, deu-me estas informações:

- Conheci o Francisco Xavier em 1933. Nessa época ele ainda trabalhava numa pequena casa de comércio, em Pedro Leopoldo. Na ocasião, em julho de 33, salvo engano, ele me deu para ler um álbum de poesias dele. Eram poemas, sonetos, quase todos melhores do que a imitação de Guerra Junqueiro que publicou no Parnaso de além túmulo. Foi por intermédio de Francisco Xavier que conheci Augusto dos Anjos. Ele declamava grande parte do Eu. Lera tanto Augusto dos Anjos que o sabia de cor. Ainda me lembro muito de ouvi-lo declamar com entusiasmo o ‘Árvore da serra’. Em 1933 ele estava encantado com Augusto dos Anjos. Já por essa época ele lia o espanhol e o francês: assim me disse várias vezes. Conhecia bem a literatura brasileira e lia muito.” [10]

Direitos autorais

Podemos tomar como verdadeira a informação de que Chico doava todos os recursos provenientes do seu trabalho de psicografia? Eurípedes dos Reis coloca essa informação em xeque quando, em fevereiro de 2001, apresenta queixa policial contra sua esposa por estelionato e traição conjugal. Na matéria “Casa de Guerra, filho adotivo e nora de Chico Xavier brigam por dinheiro”, publicada pela Veja, o jornalista José Edward traz detalhes surpreendentes do caso.

O casal vem administrando todos os negócios de Chico Xavier. Eurípedes tem procuração vitalícia do pai desde 1976 e Christine cuidava havia oito anos das doações e da renda obtida com a venda de suvenires com a imagem do médium. Ela movimentava cinco contas bancárias, incluindo a da empresa Shulz e Reis, criada para a venda dos livros psicografados por Chico Xavier. [11]

Para além do episódio, temos um dado importante de que os recursos não seguiam exatamente o caminho apontado por Chico Xavier. Marcel Souto Maior menciona outro caso ocorrido em 1964.

Em junho de 1964, Chico, com o aval de Emmanuel e com o apoio de Waldo Vieira, decidiu ceder à Comunhão Espírita Cristã os direitos de livros escritos por ele e seu parceiro. Pela primeira vez, ele seria beneficiado, embora indiretamente. O centro, cada vez maior, contraía dívidas e já não podia contar apenas com a ajuda esporádica e voluntária de amigos ricos e de gente grata a Chico Xavier. [12]

Emmanuel

A relação de Chico com Emmanuel se desenvolve a partir de seu contato com os escritos de Allan Kardec. Seria coincidência o fato de que no capítulo 11 do Evangelho Segundo o Espiritismo um espírito que se identifica como “Emmanuel” assina uma mensagem ditada em 1861, em Paris, intitulada “O Egoísmo”? Quando indagado se Emmanuel era o mesmo espírito que assinou esta mensagem, o médium Francisco Cândido Xavier afirmou:

Creio que sim. Conservo para mim a certeza de que ele, Emmanuel, terá participado da equipe que colaborou na estrutura da codificação da Doutrina Espírita. A mensagem intitulada ‘O Egoísmo’, (…) em que se faz referência a Pilatos, é de autoria do nosso benfeitor espiritual, não tenho dúvidas a este respeito.

Nada mais lógico e estratégico: associar sua imagem a um espírito que teria “participado” da codificação do espiritismo seria vital para o trabalho que ele pretendia desenvolver a nível nacional e internacional. Ainda mais quando sabemos que Chico se dizia a “reencarnação” de Allan Kardec. Assim somos impelidos a acreditar que a visão de 1931, que estabelece um suposto “contato” de Chico com Emmanuel, não possue fundamento histórico.

Há também que se considerar duas outras questões (1) Seria Emmanuel uma figura histórica verdadeira, que viveu na época de Jesus, ou, como supõem os especialistas em Cristianismo Primitivo, um mito ou ficção criado pelo Kardecismo para dar base aos seus argumentos? A segunda alternativa é a de maior peso porque não há registro histórico da existência de um senador romano chamado Emmanuel ou mesmo Publius Lentulus. A conclusão é de que se trata de um personagem fictício. Essa é a opinião do Dr. Edgar J. Goodspeed, em especial quando analisa uma carta atribuída a Publius Lentulus em que descreve Jesus; (2) Há um problema relacionado à integridade moral de Emmanuel. Mesmo aceitando que Emmanuel era um personagem real, que conduzia Chico em seu trabalho de psicografia, como entender certos conselhos dados pelo espírito ao médium? Um exemplo é o citado pela Folha.com em uma análise da obra “As Vidas de Chico Xavier”.

Segundo o livro “As Vidas de Chico Xavier” (Planeta, 2003), escrito pelo jornalista Marcel Souto Maior, o médium mineiro (1910-2002) decidiu experimentar ácido lisérgico e recebeu apoio de Emmanuel, seu guia espiritual. Essa particularidade de sua biografia não aparece no filme.

A escolha de provar a droga tinha um sentido: Chico se sentia extremamente pessimista e deprimido. Ele acreditava atrair espíritos inferiores que provocavam diversos males aos seus familiares e amigos. Sua companhia acarretava em sofrimento para os outros. [13]

Que tipo de espírito induziria alguém a se drogar? Essa é a pergunta que se faz com relação ao episódio relatado por Marcel Souto Maior em sua análise da vida de Chico Xavier. Ácido lisérgico é o composto para o alucinógeno conhecido como LSD, droga popular nas décadas de 50 e 60 e que foi desenvolvido em 1938 pelo químico suíço Dr. Albert Hofmann. Segundo um verbete da Wikipédia, Timothy Leary, ex-professor em Harvard, após descobrir a droga, tornou-se um incentivador do seu uso massivo para fins terapêuticos, espirituais e recreativos, sendo preso nos Estados Unidos em 1972 e solto em seguida. [14]

Zélia Gama

O ato de levar a mão esquerda ao rosto e com a direita proceder com a psicografia era uma prática de outra médium mineira que também se dizia portadora de dons mediúnicos. Zilda Gama (1869 – 1969) teve uma trajetória semelhante à de Chico, com perda dos pais aos 24 anos, erudição e psicografias.

Psicografia: plágio ou mediunidade?

Psicografia, segundo o Espiritismo, é a capacidade de um médium transmitir mensagens ditadas ou redigidas por espíritos. Ela tanto pode ser intuitiva (o médium recebe as mensagens por meio da ação de um espírito em sua intuição, sem a necessidade de que este deixe o seu corpo), semi-mecânica (o médium possue o controle de sua mão, escrevendo sob impulso de um espírito) e mecânica (caso considerado raro no espiritismo em que um médium perde por completo o controle sobre seu corpo, permitindo que um espírito utilize suas faculdades mentais e motoras para trazer determinado conhecimento espiritual).

A psicografia de Chico Xavier seria mecânica, no sentido de que os espíritos [e especialmente Emmanuel] atuavam diretamente sobre seu corpo. Sendo de autoria espiritual, o médium fica livre de qualquer pré-julgamento decorrente de erros produzidos por esses espíritos. O que não ocorre na intuitiva ou mesmo na semi-mecânica. Primeiro, poderíamos aceitar como verdadeira a hipótese espírita não fosse o fato de que Chico possuía condições necessárias para produzir textos poéticos ou mesmo de conteúdo histórico ou filósofo [e em outros idiomas, como francês, inglês e espanhol] além das psicografias de caráter pessoal – àquelas dirigidas a familiares que recorriam ao médium em busca de respostas. Segundo, como explicar o fato de que as cartas “psicografadas” por Chico possuem semelhança de vocabulário, estilo e uso excessivo de metáforas? Terceiro, se Emmanuel e os demais espíritos a que Chico tinha acesso eram “espiritualmente confiáveis”, por que erros grosseiros como a ideia de que o sol, marte e júpiter possuem vida e que Marte não possue satélite natural, senão vermos isso como interferência do médium na escrita?

Há outras questões que, analisadas do ponto de vista histórico, cientifico e literário, lançam mais dúvidas do que certeza nas psicografias de Chico Xavier. Elas representam a opinião e o conhecimento do autor [e não autores] que ao longo da vida recorreu às mais diversas fontes para produzir seus textos, como recortes de jornais e revistas de conteúdo poético que ele anexava a um caderno e da ajuda de auxiliares que recolhiam dados como nome, nascimento, cor, raça, doença, relacionamentos dos mortos a serem consultados. Em palestra no CEAEC, Waldo Viera reconheceu que “funcionários do centro espírita iam à fila pegar detalhes dos mortos”. Em outra ocasião, declarou:


A mesma coisa é aquelas mensagens que Chico recebia. Você sabe que essas mensagens psicografadas da pessoa que morreu, eles mandam uma carta com detalhes para a pessoa colocar na mensagem psicografada. Existem médiuns recebendo essas cartas até hoje. Quando eu deixei o movimento espírita, eles me mandaram essas cartas para mim para eu receber mensagens para a pessoa. Eu queimei as cartas só para não envolver ninguém. Então eles mandavam, ó, o apelido dele é esse, a tia que ele gosta é essa, a madrinha dele, a dindinha é fulana ele mora assim, assim. Só para haver uma relação. O avô que ele gostava muito morreu no ano tal… eles mandavam essas cartas com tudo mastigado para você colocar… tudo é carta marcada, um jogo de carta marcada (sic). [15]

O testemunho de Waldo vai de encontro a uma declaração da Associação Médico – Espírita de São Paulo que em pesquisa revelou que Chico fazia uma entrevista [de cerca de dez minutos] com famílias que participariam das sessões. Como exemplo temos o caso de um homem que na década de 70 morreu vítima de um atropelamento. O engenheiro Maurício Lopes, de 38 anos e irmão da vítima, disse a Super que “Chico perguntou a minha mãe detalhes da morte e nome de parentes. E tudo foi citado na carta depois”, conclui. Procurado pela redação, o filho adotivo de Xavier negou a denúncia.

Hamilton Ribeiro provou, já nos anos 70, que as psicografias de Chico não provinham de nenhuma outra fonte que não fosse sua própria imaginação e cita um dos seus métodos “Chico está com a mão sobre os olhos. Mal ouve o fim da leitura. Levanta-se, recebe um pacote de folhas de papel e se encaminha para a porta por onde entrou. Ali, numa salinha, ajudado por dois assistentes – o Sr. Weaker e sua mulher, dona Isildinha, vai receber orientação dos espíritos para psicografar receitas e conselhos.” Confinado à salinha, de lá libera as remessas de receitas psicografadas.

Onze horas da noite na Comunhão Espírita de Uberaba. Seu Weaker abre a porta da salinha onde está Chico e libará a segunda remessa de receitas psicografadas. Há o burburinho geral e todos se dirigem para o pátio, aguardando a chamada. Um dos primeiros nomes anunciados é um dos meus, aquele que encaminhei a pedido de uma amiga que sofre de alergia. Corro ansioso para ver que tipo de remédio os espíritos recomendam para coceira, e me, decepciono um pouco. Não é uma receita, são apenas conselhos – o que se chama de “orientação espiritual”. A mensagem lá está, na letra corrida e larga da psicografia: “Dentro de todos os recursos ao nosso alcance, buscaremos cooperar espiritualmente em seu favor. Confiemos na bênção de Jesus”. [16]

Ao chegar sua vez, Hamilton é surpreendido ao receber uma receita psicografada em nome de uma pessoa que não existia “O que pensar disso? Nem a pessoa com aquele nome, nem mesmo esse endereço existem. Eu os inventei”, declara. Oito anos depois seria a vez de Sônia Muszkat fazer seu relato “Eu estava prestes a enlouquecer quando a primeira carta chegou. Já havia pedido para ser internada”, diz a paulista Sônia Muszkat. Foi em 1979 que Sônia recebeu essa mensagem do filho Roberto, morto aos 19 anos com um choque anafilático após uma cirurgia de desvio de septo. “Na carta, Roberto descrevia sua morte e pedia que eu não me culpasse, afirma Sônia. Ela receberia outros 53 textos psicografados por Chico. Alguns vinham com frases em hebraico – Sônia e o marido são judeus. Roberto não falava o idioma, mas Chico dizia ao casal que ele estava aprendendo em uma colônia judaica no mundo espiritual”. [17]

Casos como o relatado por Hamilton e a do filho de Sônia que não falava hebraico provam que Chico Xavier era um farsante, que suas psicografias provinham de sua própria imaginação (consciente ou inconscientemente) e que milhares de pessoas estão enganadas ao segui-lo. O trabalho social praticado por ele e mantido por seus seguidores em nada justifica seus erros, embora sacie a fome de muitas famílias. Verdades à parte!

Notas

1.RIBEIRO, J. H, Chico Xavier, Realidade, 1971, versão em PDF

2.Chico Xavier, Wikipédia

3.Ibidem

4.MAIOR, M.S As Lições de Chico Xavier, São Paulo – SP. Planeta, pág. 43, 1º ed. 2006,

5.KLOPPENBURG, F.B. Espiritismo, orientação para católicos, 2002, 7º ed. Versão em PDF

6.NASSER, D. Chico Xavier, o detetive do além, O Cruzeiro, 1944

7.Chico Xavier, Wikipédia

8.RIBEIRO, J. H, Chico Xavier, Realidade, 1971

9.KLOPPENBURG, F.B. Espiritismo, orientação para católicos, 2002, 7º ed.Versão em PDF

10.EDWARD, J. Casa de Guerra, Veja, 2001

11.MAIOR, M.S As Lições de Chico Xavier, São Paulo – SP. Planeta, pág. 100, 1º ed. 2006,

12.Chico Xavier, Wikipédia

13.Chico Xavier experimentou alucinógeno auxiliado por espírito, dia livro, Folha.com, 2010

14.Timothy Leary, Wikipédia

15.VIERA, W. Tertúlia, Yotube

16.RIBEIRO, J. H, Chico Xavier, Realidade, 1971, versão em PDF

17.SAMANTTA, H e BLANCO, G. Chico Xavier, uma investigação, Super Interessante, versão disponível online

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